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sábado, 2 de abril de 2011

Autoritarismo e violência apavoram no “novo Acre”






Obs. O texto a seguir foi publicado por que deixa as responsabilidades dos atos para as pessoas certas e na medida correta. Não é uma simples crítica à ação policial, mas um crítica a esse sistema em que estamos vivendo. Aprecie e dê sua opinião!
                                                                          
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Por princípio e pelas lições que venho aprendendo, todos os dias, desconfio dos discursos e das palavras de ocasião. Faço este registro para que minha indignação, angústias e incertezas não sejam apropriadas pelos “democratas” de última hora

GERSON ALBUQUERQUE (*)


RIO BRANCO, AC – “Cuidando de você, sua família, sua cidade, seu Estado” são as miríades que têm embalado a propaganda de nossa áspera “esquerda” no controle da máquina pública, nos últimos 12 anos. “Para uns melhorou pouco; para outros, melhorou mais...”, seguiram-se as anedotas televisivas, radiofônicas, impressas, eletrônicas ou digitais até chegar aos outdoors do “melhor lugar para se viver”.

Praças, canais, parques, prédios públicos, pontes e outras obras urbanísticas, paisagísticas ou arquitetônicas, propiciaram o clima febril do “desenvolvimento” e do “bem estar” do governo de “frente popular”. A euforia dos agregados ao poder - uniformizados com as cores de um acreanismo medíocre e embalados pela batuta da propaganda e da publicidade bancadas com verbas públicas - propiciou um apequenamento dos horizontes de muitos que sucumbiram ante aos assédios de um poder que “insiste em lhes fugir das mãos”.
 

Os “inimigos” de outrora tornaram-se companheiros de jornada, num “presente duvidoso”. Mais que isso, numa alquimia extraordinária, viraram parceiros de palanques eleitorais ou empreendedores e empreiteiros do “novo Acre” da “frente popular” que transformou devastadores da floresta e invasores de áreas indígenas em ambientalistas. Nesse “balaio de gatos”, misturaram-se figuras anedóticas da reacionária política acreana aos “meninos do PT" e aos “missionários” do PCdoB, que se transformaram em partidos de paternalismo, cabresto e fisiologismo como outro qualquer.

Toda a legitimidade e respeitabilidade que esses dois principais partidos de sustentação da “frente popular” haviam adquirido junto aos movimentos sociais e as camadas mais humildes da população, bem como aos setores da intelectualidade, artistas, profissionais liberais e estudantes, entre outros, foram lançadas na lata do lixo da história, cedendo lugar a uma sede e ânsia de poder que todos desconheciam. O “poder a qualquer preço”, passou a ser o lema daqueles “pobres moços” que reinventaram velhas tradições para perpetuarem-se no controle da máquina pública.

No âmbito da relação com os movimentos sociais prevaleceu a cooptação e distribuição de “pequenos poderes” à lideranças envelhecidas e a entidades que se deixaram “sabotar” desde o âmago de suas existências meramente reivindicatórias. Aos novos movimentos (Coletivo Carapanã, Espaço Cultural Casa Verde, Coletivo Lagartixa, Rádio Livre, Passe Livre) e às antigas práticas de protestos estudantis e populares nas ruas e praças centrais, ou nas ocupações de terrenos urbanos e rurais e, mais recentemente, de “casas populares”, a reação foi e tem sido a mesma das velhas fórmulas repressivas de um estado de exceção: calúnias, ameaças, intimidações, prisões, agressões físicas, terror psicológico, agentes infiltrados nos movimentos, manipulação das informações, cinismo e violências indiscriminadas.

A mais recente operação da Polícia Militar do Acre que, atendendo a uma decisão da “justiça” em favor do governo de Tião Viana, violentou os direitos civis e a condição humana de centenas de famílias que ocupavam as casas do Conjunto Habitacional “Ilson Ribeiro” é uma grotesca caricatura desse “novo Acre” da “frente popular”.

Nesse específico caso do “Ilson Ribeiro”, o que está em questão não é a demora na entrega das casas ou seus duvidosos objetivos finais e nem, tampouco, os fatores que levaram à ocupação das mesmas pelas famílias de sem-teto. O que está em questão é o fato de termos milhares de pessoas sem moradia na capital do “novo Acre”, o “melhor lugar para se viver”. O que está em questão é uma operação de guerra que mobiliza centenas de policiais, armas e veículos militares numa covarde e violenta demonstração de força que fez uso, inclusive, do mal-afamado helicóptero da Secretaria de Justiça e Segurança Pública contra crianças, mulheres e homens armados apenas com a expectativa de ter um lugar para morar.

O que está em questão, acima de qualquer coisa, é a violação e o aviltamento dos direitos humanos, o cerceamento do ir e vir e a suspensão do direito de imprensa, arbitrariamente, impostos por uma ação policial completamente avessa ao estado de direito brasileiro e às conquistas democráticas inscritas na Constituição Federal de 1988.

Na passagem dos 47 anos do golpe militar, a “democracia” do “novo Acre” rende uma homenagem a Castelo Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel, Figueiredo, Jarbas Passarinho, Golbery, Wanderley Dantas, Kalume, Joaquim Macedo e todos aqueles que, a partir do golpe militar de 31 de março de 1964, aniquilaram a democracia no Brasil e no Acre, por mais de 20 anos.

As sequelas daqueles “anos de terror”, ainda ameaçam a construção da plena democracia em nosso país e as imagens e despojos da operação da força pública acreana, no conjunto “Ilson Ribeiro” constituem-se como evidências dessa sinistra ameaça. Passadas pouco mais de duas décadas do fim da ditadura militar no Brasil, o receituário da “ordem e progresso” regido por um outro binômio: “segurança e desenvolvimento”, continua válido e sendo utilizado por aqueles que traíram a causa da democracia e da justiça social, em eleitoreiras alianças com os órfãos da ditadura.

Ao ser questionado ou contrariado o governo do “novo Acre responde com rancor; frente a qualquer protesto de estudantes, servidores públicos ou outros setores da população intervém com violências simbólicas e físicas; quando a força bruta não resolve, apela para o uso do – não menos violento – discurso da “segurança” e da “ordem pública” e se ampara em rasas sentenças de juízes que se prestam ao papel de substituir a justiça por relações de promiscuidade e trocas de favores com políticos que ocupam pastas no executivo; quando nada disso surte efeito, ressuscita o estado de exceção e, com o conivente silêncio e covardia dos órgãos de fiscalização, suspende as liberdades individuais e impõe sua vontade a qualquer custo.

Na “desocupação” do “Ilson Ribeiro”, parafraseando a filósofa Hannah Arendt, o que assustou não foi a violência dos “carrascos do povo”, mas a banalidade com que essa violência foi exercida; foi o cinismo com que secretários de estado, assessores e bajuladores do governo comentaram a questão; foi a estranha omissão dos sindicatos, centrais de trabalhadores, instituições religiosas, entidades estudantis, Ordem dos Advogados do Brasil, comissões e entidades de direitos humanos, Conselho de Defesa dos Direitos da Criança e do adolescente, entidades dos movimentos de mulheres, entre outros.

O governador do Acre e seus aliados e conselheiros ainda não compreenderam que o poder e a força não são sinônimos. Nenhum homem, grupo de homens, partido ou força política se perpetua no poder pelo uso da força e, consequentemente, da violência. Os atos institucionais, a censura prévia, os departamentos de ordem pública, os cadernos de “Educação Moral e Cívica”, os assassinatos e torturas, as campanhas difamatórias, o fechamento do congresso, a violação dos direitos humanos, as mentiras do “país que vai pra frente” e do “desenvolvimento com segurança”, enfim o terrorismo de estado e tudo o que aquilo implicou, durante os anos de ditadura, não conferiram poder aos militares. O que eles tinham era um momentâneo comando e obediência impostos pelos canos de suas armas.

“A equação ordinária entre violência e poder se assenta na compreensão do governo como a dominação do homem pelo homem por meio da violência”, alerta Hannah Arendt em seu clássico livro “Sobre a violência”. Para ela, a violência é absolutamente incapaz de criar o poder e a única coisa que pode fazer é destruí-lo. Ao utilizar-se da repressão – em suas múltiplas dimensões – aqueles que estão no governo do Acre, que se diziam democratas e socialistas, lançam mão da mesma prática autoritária e do mesmo discurso de “segurança” e “desenvolvimento” utilizados pelos governos da ditadura militar. Tudo isso é intolerável.

Por princípio e pelas lições que venho aprendendo, todos os dias, desconfio dos discursos e das palavras de ocasião. Faço este registro para que minha indignação, angústias e incertezas não sejam apropriadas pelos “democratas” de última hora que, buscando promoção em nome de “causas sociais”, vivem à sombra dos que se mantém no controle da máquina pública.

Minha profunda convicção é que possamos ser capazes de retomar os debates em defesa de coisa pública e, principalmente, do espaço público, único caminho possível para que as ambições e delírios pessoais de quem quer que seja não se sobreponham aos interesses coletivos. Com isso, poderemos ser capazes de fazer com que as palavras dos governantes “não sejam vazias e que seus atos não sejam brutais”.

(*) Gerson Albuquerque é professor associado do Centro de Educação, Letras e Artes da Universidade Federal do Acre

Um comentário:

  1. Bom texto o do Professor Gerson. Aborda democracia, direitos humanos, ditadura militar, Hanna Arendt(!, leia a "Condição Humana", professor...), "socialismo" -> vianismo (uns chamam de "frente popular": um arremedo tosco do movimento de libertação espanhola opositor ao General Franco), força, justiça, poder, polícia militar, enfim falou (quase) de tudo...
    Só esqueceu (seletivamente) que há 10 ou 12 anos passados era um dos entusiastas dos fascínoras petistas que seviciam a DEMOCRACIA!
    Nós PMs/BMs professor, somos filhos de um outro tempo.
    Nada temos a ver com a Ditadura ou aquelas práticas!
    Leia nosso blog!
    Espancamos diariamente o militarismo enquanto molde da polícia e seu atrelamento aos governadores e não ao sistema de JUSTIÇA!
    Não atiramos em mulheres grávidas ou crianças!
    Somos maridos e temos filhos!
    Mas não podemos levar pauladas e tijoladas e responder entregando rosas: não atingimos ainda o grau desenvolvimento supra-humano que vc nos exige e... que você não se esforça para alcançar!
    Saiba de uma coisa: os intelectuais e artistas JAMAIS devem se alinhar a qualquer que seja o governo! Seu partido único é a LIBERDADE! Isso para que suas palavras sejam revestidas da isenção necessária e não se tornem uma crise de consciência pós-revelação-da-verdade sobre o vianismo acreano que quer parecer operário embora use Eau de Toillete Chanel nº 5...
    Você já foi mais brilhante, professor...

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